segunda-feira, 18 de maio de 2009

Movimento 24 de Março | Nota à comunidade académica sobre Empreendedorismo

Uma vez mais, a Universidade do Porto promove a Semana do Empreendedorismo (“Spie.Up”). No mês em que a Universidade do Porto se transforma numa fundação pública de direito privado, estabelecendo um “Conselho de Curadores” composto por representantes da banca e mundo empresarial (exteriores à Universidade), é curioso verificar que entre os convidados de honra do Spie.Up 2009 se contam as figuras de topo das multinacionais detentoras do monopólio económico em Portugal: Belmiro de Azevedo (SONAE), Henrique Neto (Iberomoldes),
Carlos Oliveira (Mobicomp), João Picoito (Nokia), etc.

Afaste-se a hipótese de ser coincidência a mais: é manifesto que iniciativas desta natureza se inserem numa lógica de alienação da Universidade ao mercado, estimulando a penetração de personalidades da esfera da alta finança, banca e multinacionais na definição dos objectivos das instituições de ensino superior, subvertendo a dinâmica de uma Universidade que se quer autónoma, independente e crítica, donde devem emanar os modelos a aplicar na sociedade, visando o progresso e o desenvolvimento. Submete-se o sistema de criação e transmissão de Conhecimento à lógica das necessidades do mercado, e, por inerência, do lucro.

Mas, afinal, de que falamos quando falamos em “empreendedorismo”?

Define-se oficialmente como “criar novos negócios ou desenvolver novas oportunidades em organizações já existentes, agindo sobretudo em ambientes de forte competitividade e constante mudança”, o que se materializa, genericamente, na criação de novas empresas. Importa, contudo, tornar explícitos alguns pressupostos que subjazem ao conceito de empreendedorismo:
  • o empreendedorismo não se propõe nem tem capacidade para oferecer uma resposta alargada e profunda ao flagelo do desemprego, já que requer previamente os meios necessários à criação do “negócio”;
  • o empreendedorismo funda-se na resposta casuística e pontual de necessidades do mercado (“oportunidades”),
  • o que o coloca na esfera da precariedade (“flexibilidade”...), e, pior, assumindo a institucionalização dessa mesma precariedade como uma vantagem;
  • o empreendedorismo faz tábua-rasa do património da democracia laboral: relegando para segundo plano ou suprimindo o papel do trabalhador, do contrato de trabalho, do direito à sindicalização (não existe qualquer “Sindicato dos Empreendedores”), instaura a vigência da desregulamentação, numa lógica que promove dispositivos como o “recibo verde” e o trabalho temporário;
  • o empreendedorismo não se apresenta como uma solução responsável para ultrapassar a crise social e económica que atravessamos, não sendo sequer viável a larga escala, considerada a incapacidade factual de uma sociedade feita de “pequenos empresários” a actuar no sector dos serviços (o actual momento mostra as fraquezas de um tal modelo...).

Quem poderá, então, sair beneficiado com ele?

O empreendedorismo oferece-se como uma oportunidade altamente rentável para os grandes grupos económicos: fomentando a criação de pequenas e micro-empresas subcontratadas, possibilita a esses grupos uma forma altamente racionalizada de retenção de capital, permitindo, por outro lado, candidaturas a fundos destinados a pequenas empresas e projectos individuais (fundos esses cada vez mais abundantes, ao contrário dos destinados ao Ensino Público). Saldo final: aproveitando a situação de precariedade e o desejo de inclusão a qualquer custo dos
jovens no mercado de trabalho, o empreendedorismo acaba por reverter a favor dos actuais detentores de fortunas milionárias, os mesmos, enfim, que são convidados de honra deste Spie.Up 2009. Como seria de esperar, colateralmente, um sistema deste tipo mobiliza também redes de influências, alimentando jogos de ascensão social baseados nos “conhecimentos” e em critérios pouco transparentes.

No ano em que se divulga a existência de 37 176 desempregados com habilitação superior (40% do Norte do país), quando cada vez mais jovens se vêem na necessidade de emigrar para conseguirem uma vida digna, quando centenas de estudantes abandonam a Universidade por não conseguirem suportar os custos de um sistema de ensino elitizado pela propina, quando cada vez mais jovens licenciados encontram a única fonte de rendimentos possível na caixa de um supermercado, consideramos inaceitável a manutenção de fait divers como este. Enquanto não se colocarem em marcha medidas consequentes e adequadas à real dimensão dos problemas sociais e económicos que os jovens enfrentam, denunciaremos as mentiras que tentam impor sob novos rótulos.

O Movimento 24 de Março reclama um investimento sério e responsável no futuro dos estudantes: exigimos um ensino qualificado e consistente, capaz de garantir um papel activo na sociedade, sem o recurso a expedientes falaciosos nem a falsas soluções como esta: por uma Universidade livre, universal, crítica, independente e de qualidade.

http://movimento24m.blogspot.com

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