quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ensino - Portugal está no mesmo ponto de partida de há 50 anos

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Em cinco décadas, o número de crianças no pré-escolar cresceu 40 vezes, a taxa de escolaridade no ensino secundário escalou de 1,3% para 60% e o acesso das raparigas ao ensino subiu 15%. Este é o retrato do ensino português publicado nos "50 Anos de Estatísticas da Educação", que ontem o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) divulgou. Os dados mostram que o país deu um salto gigante entre 1960 e 2008 mas, para os especialistas, essa evolução significa que Portugal está exactamente no mesmo ponto de partida de há 50 anos. "Fartámos de correr, mas não conseguimos ainda apanhar o pelotão da frente", avisa o sociólogo do Instituto de Ciências Sociais Manuel Villaverde Cabral.

O crescimento numérico é inegável, mas os dados estatísticos não traduzem uma recuperação de Portugal face aos outros países desenvolvidos, esclarecem os investigadores. "Houve uma massificação do acesso ao ensino, mas a qualidade não acompanhou essa evolução", defende o professor universitário Santana Castilho. A única conclusão a retirar da publicação do INE é que, há 50 anos, os portugueses viviam na idade das trevas. "O que me salta aos olhos é que o sistema educativo antes do 25 de Abril era realmente mau, porque 99% da população estava excluída da escola", desabafa Paulo Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português.

O ensino secundário é para Manuel Villaverde Cabral o exemplo mais flagrante do atraso português. "Nos Estados Unidos, a taxa de escolaridade até ao 12º ano era de 100% ainda antes da Segunda Guerra Mundial; em Portugal o ensino obrigatório até aos 18 anos só acontecerá a partir de 2013." De acordo com o INE, só 60% dos portugueses completaram o ensino secundário; a mesma percentagem de norte-americanos tem habilitações superiores. "Os países escandinavos, por exemplo, conseguiram recuperar o atraso face aos EUA e, na década de 60, 100% da população já estava escolarizada ao nível do secundário", conta o sociólogo e autor do estudo "Sucesso e Insucesso - Escola, Economia e Sociedade".

Todos os países desenvolvidos como França, Alemanha ou Espanha conseguiram taxas plenas de sucesso no ensino secundário, recorda o investigador do Instituto de Ciências Sociais, mas "em Portugal, 30 a 40% da população não consegue ir além do 9º ano". O sistema exclui sobretudo os que mais precisam: "O insucesso escolar acontece principalmente no interior do País e nas periferias de Lisboa e Porto." Duplicar ou até triplicar o investimento na educação poderá ser uma solução para apanhar o comboio da modernidade, propõe Villaverde Cabral que está convencido de que o atraso no sistema educacional "muito se deve" às elites governamentais que tomaram opções erradas e contribuíram para um modelo de ensino "ineficiente e dispendioso".

Aposta tardia Para Paulo Feytor Pinto, o nível com maiores lacunas continua a ser o pré-escolar, com uma escolarização de 77,7%. "Foi uma aposta tardia do país, que só começou com o primeiro governo António Guterres. Fez-se muito e ainda há muito a fazer, pois é nessa idade que se decide muita coisa, para o bem e para o mal." Critica ainda o facto de, mais uma vez , as estatísticas não distinguirem o abandono escolar de retenções. "A retenção é administrativa, o importante seria perceber que alunos saem da escola antes do tempo. Não conseguimos perceber se há uma melhoria ou não - faz-se o diagnóstico, mas não se traça a evolução." A diferença verificada entre a taxa de escolarização aos 15 anos (99,7% em 2006/07) e a taxa de escolarização para o secundário (60% no mesmo ano lectivo) representa outra preocupação. "Eu e outros colegas temos cada vez mais a sensação de que o abandono e a desmotivação começa sobretudo a partir 11º ano."

Na hora de traçar caminhos para o futuro, as ideias focam-se na disciplina de língua portuguesa. "Precisamos de mais horas lectivas. Temos hoje três horas (quatro tempos de 45 minutos) para a língua materna, quando na generalidade dos países são seis, sete ou oito. Portugal é o caso excepcional." Outro passo importante seria reconhecer uma "componente experimental ao português", como acontece nas disciplinas científicas. "Permite o desdobramento das turmas, o que seria útil por exemplo para aprender a escrever com o professor ao lado. Não é com trabalhos de casa que se consegue essa aprendizagem."

Esforço notável Santana Castilho admite que "o esforço do país na escolarização é notável, sobretudo nos últimos 30 anos". Porém, considera que os números não podem ser lidos como um retrato fidedigno da educação em Portugal. Para o professor universitário, "números são números" e apenas transmitem "a quantidade, nunca a qualidade". "Políticas de educação feitas para as estatísticas" e o "decréscimo da exigência do ensino para combater o abandono escolar" estão na mira de ataque do analista em educação. Se existem hoje 27 vezes mais alunos matriculados no ensino secundário do que na década de 60, Santana Castilho realça ser preciso fazer uma leitura dos dados de acordo com as mudanças recentes naquele grau de ensino, como o aumento do número de cursos profissionais. "No mandato de Maria de Lurdes Rodrigues, 20 mil alunos matricularam-se no ensino profissional. O preço de termos menos jovens a abandonarem a escola é que até se criaram cursos de treinador de futebol que dão equivalência ao 12º ano."

Somando número de alunos e número de docentes nas escolas portuguesas no ano lectivo 2006/2007, a publicação do INE mostra que existe hoje uma média de 9,75 alunos por cada professor. Esse número, para Santana Castilho, está "completamente desvirtuado" da realidade. "Basta percorrer meia dúzia de escolas para concluirmos que uma turma tem quase sempre muito mais de dez alunos. É preciso ter em conta que os professores do ensino especial ou a desempenhar tarefas administrativas também entram nesse cômputo, e que duas mil escolas - onde a relação professor/aluno era muito baixa - já fecharam."

in ionline por Kátia Catulo, Publicado em 21 de Janeiro de 2010

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